Sul do continente americano – De Punta Arenas através das Torres Del Paine até El Calafate



Fui recebido no porto de Punta Arenas por Andrés como se fosse amigo de longa data. Depois de um “city tour” pela bela cidade, uma visita ao mirante e ver a Terra do Fogo perder suas fortes cores laranjadas pelo dia que se findava e que deu para entender um pouco do porque do seu nome, fomos à sua casa, brindamos uma rica cerveja e um jantar.

Na bicicletaria de Cláudio fui recebido muito bem e não precisei fazer nada. Trocou quase todos os raios num trabalho muito profissional, uma ajuda para a minha viajem. Como o vento soprava em torno dos 100 km/h, aproveitei o convite de Andres para descansar mais um dia em sua casa. Mas o conforto logo acabou e fui dar a cara ao vento, que em alguns momentos me impediu de avançar - às vezes passando horas pedalando a 3 a 4 km/h. Empurrar era impossível. O vento seguiu impiedoso por dias através do desolado pampa, como que me colocando à prova: Estava realmente disposto enfrentar tudo isso? Quando reagia com bravura e sangue nos olhos, era tirado ao chão. Passei a buscar um meio termo entre desmotivação e excesso de forca de vontade. Com muita paciência alcancei Porto Natales. Passei de largo, depois de sentir a indiferença e contaminação das pessoas, onde o turismo acabou com verdadeira essência da convivëncia e passam a se preocupar mais com o dinheiro a um simples saudar ou, um sorriso no rosto.

Se o vento já estava forte durante estes dias, não sabia o que estava por vir nesta tarde - um vendaval que facilmente superavam os 100 km/h com rajadas que impossibilitavam manter-se em pé. Depois de vencer 12 km em 3 horas, parei ao escurecer em uma Estância para tentar me abrigar. Fui recebido com amabilidade pela família do Oliver e prontamente me serviram uma seqüência de saborosas comidas à beira da calefação. Até eles que vivem nesta zona de ventos estavam assustados com sua fúria neste dia. Custou-me ir-me embora, mas a vontade de chegar as Torres Del Paine superou qualquer necessidade de descanso.

Diante da impossibilidade de progredir com os ventos furiosos e somados as tormentas, tive que me abrigar num belo bosque encontrado a beira do lago Porteño. Neste ótimo lugar aproveitei para descansar e concentrar energias. Mais uma vez voltei ao modo antigo, cozinhando com fogo quando o clima ou o lugar permitia. Para completar, depois de todos os problemas possíveis meu fogareiro não funcionou mais.

Depois de um dia parado necessitava entrar em ação novamente e assim o fiz, mesmo com chuva, vento e o grande frio. A idéia era entrar à noite no Parque Nacional das Torres Del Paine. Tentei esperar o pessoal da portaria sair, para me livrar de pagar a taxa abusiva de $ 15,00 (R$ 75,00). Não suportando o frio e depois de estar parado por muito tempo, fui assim mesmo com todas as desculpas na cabeça. Mas no estado em que cheguei, completamente ensopado, tremendo de frio e lutando com um vento alucinado, qualquer ser com o mínimo de coração me deixaria passar.

Custei ainda para chegar ao primeiro lugar onde poderia me abrigar, e às nove da noite, doído de tanta câimbra de frio, alcancei um bosque em meio ao inóspito pampa, onde os carabineiros me ofereceram um chá quente e me permitiram acampar irregularmente por ali, sem poder fazer fogo. Depois de comer qualquer coisa passei à noite segurando a barraca para não voar com o vento e chuva.

A chuva deu sua trégua. Com roupas molhadas, frio e vento pude avançar contornando lagos, montanhas, em meio a animais selvagens e flora adaptada ao vento e uma paisagem deslumbrante. Quando a natureza nos coloca no nosso lugar se pode sentir com intensidade toda a nossa pequenez - uma forma de viver, impossível de descrever. Depois de muitas caminhadas e muitas horas de contemplação a um dos maiores espetáculos da Terra e admirar as monstruosas torres de granito, era hora de agradecer por todo este privilégio e ter sentido tudo isso na sua essência e partir. Infelizmente a rigorosidade chilena dificulta qualquer tentativa de ascensão a estas grandes paredes. Um dia ainda voltarei.

Entre tanta "mala" onda onde o turismo retira o valor interno das pessoas encontrei bons corações neste trecho do caminho - seja para me abrigar abaixo de um teto, cozinhar num fogão, ou compartilhar uma simples conversa.

Não pude cruzar o inabilitado passo Zamora para ir a El Calafate, na Argentina, que estava a menos de 100 km. Tive que dar uma volta de mais de 300 km numa luta árdua com o vento, muitas vezes sendo impossível se manter em pé e muito menos manter a bici. Foi aí que recebi um presente dos céus por tanto sacrifício, que num belo dia o vento me empurrou, em alguns momentos a mais de 50 km/h percorrendo 170 km em 7 horas por inóspitos desertos.

Com a felicidade estampada no rosto me dirigi a El Calafate e a casa do amigo Jorge Cordobês, onde enfim poderia descansar o corpo e a alma. Depois de 100 km a toda potência cheguei, não sem antes parar por quase hora, para apreciar emocionado a primeira vista do que para mim é a maior montanha do mundo - o grande Fitz Roy.

3 comentários:

  1. Olá Filho
    Quanto grande está sendo a tua dificuldade nesta sua jornada de tua vida. Precisa de muita força interna para vencer estes desafios que está passando. Teu espiríto é muito forte. Que Deus guie seus passos e lhe mostre os melhores caminhos. Fico contente em saber a recepçao que tem encontrado. Nos aqui não temos idéia das dificuldades enfrentadas por vocë. Acho que muito poucas pessoa têm a noção das sua dificuldades e que somente após lero seus relatos conseguimos perceber.

    Pai Alir

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  2. Oi primoooo!!!!!
    Saudades grande de você!!!!
    Força ai e que Deus te acompanhe....
    Beijos
    Cheysa e Mano

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