Entre escaladas no começo do mundo à travessia da áspera Tierra Del Fuego



Depois de muitos dias, mesmo quando se conta com meios modernos de locomoção, estava em Ushuaia, diante do incrível canal de Beagle, além do extremo sul do continente americano. Fui recebido com muita chuva, frio e vento, característicos desta região, que se não fosse pela sapiência humana a tornaria impossível a sobrevivência humana.

Mas logo tive o privilégio de receber as ótimas vindas - o sol apareceu e demonstrou a grandiosidade deste lugar, formado e deformado há milênios por força internas da terra e pelos glaciares que cobriam tudo. Logo conheci os escaladores Pepe e Lucho e de imediato fui convidado ao aconchego da casa de sua querida família para comer pizzas, tomar cervejas e abandonando o gelado bosque que foi a minha primeira morada. Sebastián logo se juntou a nós e no outro dia já estávamos escalando no vale de La Tatta na presença do grande monte Oliva, lindas vias desplomadas em basalto muito bem encontradas pelos aberturistas em meio à grande quantidade de rochas podres.

No outro dia nos dirigíamos ao Parque Nacional de La Tierra Del Fuego, restrito a elite, onde foi necessário utilizar de técnicas a “La brasileira” para driblar as abusivas taxas de entrada de um patrimônio da humanidade que deveria ser acessível a todos os amantes da natureza,. Logo estávamos em Ensenada e de aí a preciosa Bahia Cucharita, depois de certo dificuldade para cruzar com as bicis a acidentada escarpa que dá acesso. Aí me deparei com a forca de vontade de Pepe, um jovem forte e motivado de apenas 17 anos.

Logo estávamos instalados aos pés das paredes magmáticas, bebendo água de brejo e nos cagando de rir. Os ventos uivantes, os chuviscos e duro frio não nos impediram de escalar dois dias a pleno, vias esportivas realmente belas de até 6c+ (grau máximo no setor), algumas com seqüência de quatro pequenos tetos e muito exigentes aos bracitos desacostumados.

Logo estávamos de volta ao calor da casa desfrutando de um belo assado de cordeiro preparado por Negro, pai de Pepe. Era hora de partir e depois de um belo carregamento de mantimentos, aproveitando a zona livre de muitos impostos, estava serpenteando entre às imponentes montanhas. Não deixei de aproveitar a escalada existente no caminho: a incrível pedra barco setor de bolders incríveis. À noite Pepe e Seba se juntaram a mim e passamos parte do dia seguinte provando variadas linhas, algumas encantadoras, que desta vez não permitiram a ascensão, mas que valeram por deixar a beleza e a pureza da escalada gravadas na mente e nas juntas.

Depois de um abraço de despedida nos separamos, eu ao norte e eles ao sul de volta a Ushuaia. O belo sol repentinamente deu espaço a uma incomoda e fria chuva. Logo venci a longa encosta e o passo Garibaldi, não sem antes parar a ser saudado por Kayo (www.kayenaventura.com). Além do passo se descortinou o imenso lago Fagnano. Segui ate seu fim para relaxar a beira da laguna Del Índio.

O vento, enfim e infelizmente, deu sua cara tornando a pedalada dura e o avanço lento, em alguns momentos a menos de cinco km/h, mas com a recompensa de estar diante do encantador oceano atlântico e sua desértica costa. Quando se iam às forcas começou uma luta infernal com o corpo - uma enorme estância chamada Viamonte apareceu no horizonte, lugar para conseguir água e preparar uma comida recompostora. Prontamente fui recebido por Tomas, um dos encarregados, que depois de colocar no lixo um cachorro do mato morto por uma pedrada me levou ao refeitório onde fui amavelmente recebido pelo cozinheiro Antônio e pelos autênticos gaúchos que jantavam um bom guiso.

A aparência e vestimentas demonstravam a fidelidade à tradição, bombachas, botas, coletes de lã, lenços no pescoço, boinas na cabeça. Com humildade e com a aparência desgastada de um largo dia, logo conquistei respeito até dos olhos analistas e do olhar profundo de um dos capatazes. Melhor ainda do imaginado, logo me mostraram uma enorme casa onde eu poderia passar à noite, onde havia lenha para aquecer, água quente para tomar uma ducha - uma das primeiras do último mês, que não em gélidos lagos. Aí fui e encontrei um espaço abaixo da torneira, em meio a porcos e cordeiros recém mortos e sangue por todos os lados. Mas foi um delicioso banho de torneira ao som da agonia de porcos sendo mortos.

Depois de uma noite calorosa à beira do fogão, acordei com as primeiras luzes do dia e logo estava na estrada avançando ao norte pela Ruta 3. Enfim saí do pavimento dobrando na desconhecida Ruta b, em direção ao passo de fronteira Bellavista. Um, dos três carros que passaram por mim durante o dia, me disseram que hoje era meu dia de sorte e que, era para aproveitar o ameno vento que sempre é de romper a cabeça por aqui. Enormes Condores me acompanhavam de perto pelo desolado caminho através do pampa. Logo se descortinou no horizonte a beleza dos nevados da cordilheira Darwin como do grande monte Sarmiento.

Alcancei depois de um largo e duro dia chegar à aduana, onde a Gendarmeria (polícia federal argentina) só faltou me receber com festa, pois era um dos primeiros a passar por aqui nos últimos dias. Falou-me que me carimbava o passaporte de saída da Argentina se eu pudesse cruzar o rio com quase 1 metro de profundidade e limite com Chile. Disse que voltar não iria e assim me timbrou, se despedindo como alguém que não vê gente há muito tempo. No Chile, no pampa Guanaco, Camelídeos vivem em grandes manadas. Fui recebido com a mesma cordialidade - café quente e pão com ovos.

Onde o insólito pampa dava lugar a floresta surgiu Russfin, um pequeno povoado com meia dúzias de casas, a metade em ruínas à beira de uma serraria com aparência próxima extinção. Vi um senhor sentado, aproveitando o pouco calor do sol, aparentemente raro por aqui. Fui-lhe pedir água para cozinhar à noite e custou a entender de onde eu vinha. Com somente um olho, o outro provavelmente afetado por seu duro trabalho, se levantou e sem dizer uma palavra meteu o bidom num grande barril, com quase mais moscas que água, e o encheu. Muito agradecido segui, e os poucos bosques que encontrei para me abrigar do forte vento e da chuva que se armava, estavam cercados, assim como as raras casas sempre abandonadas.

Abaixo de chuva alcancei a Bahia Inútil e Camerón, que como cidade só existe no mapa. Segui passando por algumas estâncias abandonadas e lutando com a aspereza do clima, correndo contra o tempo para alcançar tomar o último barco que sairia em dois dias do povoado de Porvenir. Enfim, a muito custo e madrugando, com meia dúzia de raios da roda traseira rompidos, cheguei 3 horas antes de zarpar. Aproveitei o pouco tempo e aceitei o convite de um beudinho, Sr. Luis Mario, para comer uma carne gelada em sua humilde casa. Emocionando ao final, além do vinho, por ter alguém para fazer companhia por um momento sequer.

Cheguei ao porto alguns minutos antes do barco partir, realizado e me sentindo mais vivo do que nunca. Diante das grandes provações que me dispus a enfrentar perante a natureza bruta desta região, recompensado pelos mais belos e simples presentes da vida, desde um abraço de um amigo ate a beleza desta paisagem encantadora. Depois de terminada a travessia da ilha da Terra do Fogo, entramos no segundo ano sobre a bicicleta e mais de 11.000 Km percorridos, sentindo cada vez mais forte esta energia inexplicável e arrepiante.

Ainda tive o privilégio de conhecer na travessia dois motoqueiros de Buenos Aires e também Fernando, que está assumindo com muito profissionalismo a pesqueira de seu pai, em Porvenir. Este, em poucos minutos, me conseguiu um lugar para descansar em Punta Arenas e onde consertar a roda da Negrita.

Tardamos quase 3 horas para cruzar o passo largo do estreito de Magalhães, enfrentando vento forte e um agitado mar de azul profundo com suas grandes ondas - imaginando como foi cruzar este longo estreito sem passar pelos mares mais bravios do mundo pelos primeiros que se meteram aqui com seus rústicos barcos. Isto numa época quando tudo isso aqui era mais selvagem, onde haviam somente índios que, “sabe-se lá” como chegaram aqui para habitar com muito custo estas terras. Assim a ilha da Terra do Fogo (ou do vento) ficou para trás, deixando uma rica experiência e aprendizado que para sempre estará gravada na mente.

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