De El Chaltén pelo lago do Deserto e lago O´Higgins até o início da carreteira austral



Com o dia de céu azul era hora de partir. O tempo que tardaria até a subida do sufoco, parte da trilha do lago do deserto que é mais crítica para acúmulo de neve, seria suficiente para derretê-la um pouco e facilitar a passagem com a bici carregada.

Tardei algumas horas para percorrer os 50 kms do precioso caminho até o lago, parando a todo instante maravilhado com a paisagem, do Fitz Roy mudando de forma a ser visto dos mais diversos ângulos em contraste com os cristalinos rios da região. A ponte para cruzar a desembocadura do lago e atingir o início da trilha estava quebrada, e tive que cruzar por duas vezes com água na barriga o congelante rio. Os turistas encasacados até os olhos não acreditavam que eu estava me metendo aí.


 
Logo consegui me aquecer e iniciar o caminho, que se mostrou já nos primeiros metros, com suas empinadas e obstruídas encostas. Tive que desarmar tudo e portear parte a parte toda a carga e bicicleta, quilômetro a quilômetro, me custando muito tempo e esforço. Logo o caminho se mostrou mais razoável para trekking, mas não muito para uma bicicleta carregada com mais de 50 kg de carga e equipos para escalada. Adaptei a logística carregando uma pesada mochila e a bici com o menos peso possível, e com a beleza do conservado bosque e da paisagem que se mostrava vez ou outra, fui avançando sem parar ganhando preciosos quilômetros. Já sentia que minhas forças se iam e sacava energia não sei de onde para vencer longas e acidentadas encostas. Entrei noite à dentro e completamente esgotado consegui cruzar a parte mais dura da travessia, encontrando um bom lugar para bivaquear, com não muita neve e à beira de um rio.



Com as primeiras luzes já estava em atividade, desvendando o caminho entre meio metro de neve acumulada. No início da tarde estava alcançando a praia do lago do deserto e a aduana Argentina. Agora faltavam mais 15 kms de trilha até a fronteira dos países e o início do caminho rodável, o qual alcancei no fim da tarde depois de cruzar várias vezes rios e brejos quase congelados. Um caminho sinuoso e com muita lama e mais um bivaque na selvagem floresta. Antes do próximo meio dia estava diante da imensidão do verde lago O´higgins, no único porto de milhares de quilômetros quadrados em um lago que praticamente não existe navegação. Por sorte em dois dias chegaria o último barco da temporada, era só descansar e desfrutar da beleza desta remota paragem.


Aí encontrei outros viajantes que chegavam, o brasileiro Leandro e um francês que andavam em bicicleta e um Israelita que vinha à pata. Nos juntamos todos abrigados na casita do porto. E então veio o barco, momento esperado pela família e os carabineiros que aqui vivem isolados, e tem essa como uma ocasião especial. Por pouco não fui deixado pelo capitão, que se mostrou intransigente na negociação da abusiva taxa para embarcar e que na realidade é custeada pelo governo. Para minha sorte e com a pressão dos meus novos amigos e dos tripulantes, cedeu no último minuto.

Não acreditava que estava navegando neste lugar. Não bastasse só cruzar o lago para o outro lado, ainda o percorremos por todos os seus braços e entranhas, visitando cada um de pouco mais de meia dúzia dos isolados moradores, levando alimentos a seus animais para o início da crítica situação climática por está por vir. Fomos brindados com as mais lindas paisagens neste dia, e já não bastasse das montanhas e glaciares, ainda de um incrível pôr do sol patagônico.


Alcançamos terra novamente perto da ½ noite e alguns minutos estava instalado abaixo da primeira boa árvore que vi, à beira de um lindo braço do lago, para uma perfeita noite de sono. Me sentia contente e motivado, mesmo sabendo da dura fase que estava por vir, a travessia da dura carreteira austral. Era o próximo objetivo a buscar.

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