De volta ao Brasil!! - Sul do Peru ao Acre através do Lago Titicaca e ruta transoceânica

Tudo nesta vida têm porquês. Às vezes, principalmente quando estamos envolvidos com a peleia para a sobrevida na sociedade e que nos desconecta de nossa essência, não nos damos conta da seqüência dos acontecimentos e dos direcionamentos apontados pelo universo. Mas se levamos uma vida simples, desapegada de bens materiais e de buscas ilusórias, em contato profundo com a natureza e acompanhando seu livre fluir, podemos ter o privilégio de nos deparar com os mais belos encantos da vida e duvidar que algo seja mesmo por acaso. Mas nem sempre estamos preparados ou temos serenidade de aceitar ou entender isto.

Com quase um ano e cerca de 10.000km de jornada através dos mais remotos lugares da cordilheira dos Andes, por Argentina, Chile, Bolívia e Peru, escalando bolders, esportivas e grandes paredes em 23 sítios, ascendendo a grandes montanhas, e ainda e principalmente tendo uma alta autonomia para não dependência das cidades (resultando em cerca de R$3.000 de gastos no período), pude me sentir mais conectado com a Terra, seguir seu tempo e desfrutar melhor disso tudo.



Já descapitalizado saberia que o pouco dinheiro conseguido não seria suficiente para suportar mais muito tempo minha econômica vida pelas estradas. Somando-se, a saudade de minha terra, da minha gente e a necessidade de compartilhar me levou de volta ao Brasil.

Era um dia de muito calor em La Paz e depois de um mês por aí em Chuquiago Café, me sentia feliz e desprendido para partir. Uma conversa com o casal de ciclistas Nicaraguo-frances, as últimas tarefas no Café, um forte abraço de até breve aos meus queridos amigos, e derrepente, como se fosse comprar pão na esquina, me vi dropando as empinadas ruas que levavam para fora do vale da grande La Paz, arrancando aplausos ou simplesmente despertando a atenção dos pacenhos. O espírito ganhou a motivação que necessitava.

Logo estava disputando um espacinho com as lotações e as milhares de pessoas pelas ruas de El Alto, e sem perceber estava de volta a tranqüilidade do altiplano. O calor se fazia sentir, que junto anunciava a época das chuvas, levando todos os campesinos ao preparo do solo e ao plantio da batata. As noites foram de fortes temporais, mas sempre pude encontrar ou armar um bom abrigo. Beirando o lago Huinaymarcá passei pelos pequenos povoados de Batallas, Huarina, Huatajata, Cocani, Janckoamayo, e cruzando uma larga montanha estava no estreito de Tiquina, diante do tão esperado e incrível lago Titicaca.

Devido a uma manifestação popular a passagem pelo estreito estava bloqueada. O motivo é a construção de uma ponte pleiteada pelo governo, que acabaria com uma das principais fontes de trabalho na localidade. Nessas horas nada melhor que chamar atenção com a grande bici e ter jogo de cintura para convencer o barqueiro da comunidade a te levar com ela no minúsculo e um dos poucos barcos do dia. A água foi entrando dentro do barco e as dezenas de pessoas empilhadas foram ficando assustadas, mas antes que jogassem a negrita no lago a embarcação ancorou do outro lado.

Passado o susto, estava subindo uma encosta que me levou a 4.000m snm, 400 metros acima do lago, através de uma estreita crista donde se podia vê-lo dos dois lados. Em decorrência do protesto várias grandes árvores foram derrubadas sobre a estrada, deixando a estrada livre para mim somente. Um bivaque enluarado e estava descendo dentro da turística Copacabana. Custei para conseguir combustível para o fogareiro, mas poucas horas depois estava me despedindo da Bolívia. Um país que tem muito a mostrar.

Entrar no Peru foi uma mistura de receio com ansiosidade, e já de início me deparei com um povo pouco receptivo e um tanto preconceituoso com o estrangeiro. A paz das estradas ficou para trás, e por alguns dias estive tensamente pedalando em meio aos pouco habilidosos motoristas peruanos. Passei Yunguyo, Pomata, Juli, Pilcuyo, Illave, Acora, Plataria, Chucuito, Puno. Durante todos os dias ao redor do lago Titicaca pude encontrar grupos de cicloviajeiros, em média dois por dia de todas as partes do mundo.

Nunca havia durante estes 11 meses encontrado tantas pessoas viajando em bici, a maioria com promissoras carreiras já cansadas do ritmo de vida imposto pela sociedade. Apesar de estarem desfrutando a fundo da vida, pude notar como já havia antes, que o objetivo de todos é bem diferente do meu; são os chamados cicloturistas. Com pequenas cargas, um farto cartão de crédito, a idéia de rodar muitos quilômetros ao dia ao longo de carreteiras asfaltadas e conhecer as zonas mais turísticas, muitas vezes perdem de conhecer a essência do país, os lugares mais encantadores e aproveitar o potencial da bicicleta de para ela pode te levar.

Agora sem escapatória se iniciaram as chuvas, me mantendo molhado e com frio durante ininterruptos 15 dias. Quando tudo começava a secar ela despejava novamente. Passando Juliaca saí da zona turística, enfim podendo conhecer o verdadeiro povo peruano, com seu sorriso dourado e amável e de grande prestatividade.

Alcancei a ruta transoceânica, projeto do governo Lula que aqui no Peru sofreu pouca resistência contra os danos advindos de uma grande estrada asfaltada. Já esta em fase final de construção, na qual nos canteiros de obras quase só se escuta o português dos engenheiros brasileiros. Ainda faltam os trechos de montanha mais duros de serem vencidos e as centenas de pontes, o que ainda torna o percurso quase intransitável. Mas é incrível acreditar na magnitude desta construção.

Depois de Juliaca, segui em direção a cordilheira, passando pelas poblações de Azangáro, Progresso, Recreo e Catuyo. O passo de 4.900m snm foi vencido num dia de tempestade de neve ou de muita chuva. Agora era só desfrutar da grande descida que estava por vir até Mazuco, 4.600 m abaixo. Por sorte um grande bolder me abrigou logo após de Macusani. Seguiram-se horas de descenço até que o perfeito asfalto desse lugar as embarradas estradas ou que fosse necessário cruzar os rios com água no joelho.

As áridas montanhas foram ganhando cada vez mais vida e tons de verde. A diversidade de plantas foi crescendo e árvores de porte cada vez maior foram aparecendo. A umidade da floresta tropical foi começando a fazer o corpo transpirar como nunca. O pequeno rio San Gaban foi demonstrando o enorme vale que esculpiu. Difícil crer que justo aí existe uma estrada. Passei pelos pequenos povoados de Ollachea, Chacaneque, Carmem, Lechemayo em meio a gigantescas montanhas amazônicas.

A dita planície por debaixo esconde um acidentado terreno com subidas e descidas intermináveis. O calor é intenso e incomoda; que saudade do frio!
Atoleiro após atoleiro vou deixando os poucos veículos presos para trás, mas em muitos momentos sou barrado pelas montanhas que desabam sobre as estradas. Os povoados perdidos em meio à floresta não são muito atraentes, com as pessoas dos dentes de oro e seus olhares intimidadores. Muito em decorrência da economia da região, baseada no plantio da coca e muitas vezes no seu refino.

Logo deixo a região montanhosa da Amazônia e entro em uma região por enquanto menos remota e mais civilizada. São alguns dias lutando com o duro clima para passar Mazuco, Chaspi, Puerto Carlos, La Encanada, Los Hormigas, Imambari até chegar Puerto Maldonado, e da aí até a fronteira com o Brasil e Assis Brasil. Ao longo do caminho cada vez menos se pode ver o que foi a floresta amazônica, que cada vez mais se distancia da estrada. Quando o espaço não é ocupado pelo boi ou está abandonado, grandes acampamentos de garimpo de ouro iniciam povoações.

Com um sorriso largo cruzei a fronteira e estava de volta a minha casa. Não antes de um longo mal entendido com a polícia federal que achou que o leite em pó que eu carregava era cocaína. De sacanagem retiveram todos meus alimentos.

A situação florestal aqui no Brasil parece ser ainda pior que no abandonado Peru, e raramente se vê uma árvore perto da estrada. Mas ao que tudo indica o Acre é um estado florestal e com rigor a cada ano vem reduzindo o índice de desmatamento e melhorando sua situação ambiental.

Eram por volta das 22 horas quando cheguei a cidade de Rio Branco na casa de meus queridos e velhos amigos do sul Strapa, Ju e Paulão. Foram merecidos dias de descanso, de muita alegria e de comemorações do fim desta primeira etapa da Ciclo escalada Andina. Uma recompensa que valeu por cada gota de suor derramado.

Por tudo que se passou pelo caminho é de olhar para trás e agradecer imensamente pelo privilégio de ter podido vivenciar tudo de uma foram tão perfeita. Também agradecer a todas as pessoas que direta ou indiretamente acreditaram no sucesso desta empreitada e estavam lá dando seu apoio. São muitos nomes a citar, mas especialmente a Território e Alto Estilo que desde o primeiro momento foram parceiros.

A próxima etapa já tem data de inicio para janeiro com destino as grandes paredes do sul do planeta, e novamente contará com o apoio da Território e Alto Estilo.

10 comentários:

  1. Show Rudi!!!!

    Adorei o texto e principalmente a história!!

    Show!!!!! Parabéns pela viagem!!!!

    Abração!!!

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  2. Nassssaaaaaa, olhei as fotos só agora!!
    Animais!!!! mto bom mesmo!!! Parabéns brother!!

    Abração

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  3. Parabéns bicho! Tua aventura é muito massa! Inspiradora pra quem usa a bike.

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  4. Oi Ruddy aqui é a galera da PEDALE.
    Firmeza fotos descrições e afins,parabéns cara.
    É isso aí...a vida tem mto + a dar a quem a enxerga!
    Queremos + fotos!

    Abraços de tds aki.Ivo,Dani,Marlon,Cristian,Vina,Zóio,Yuri.

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  5. Hola Ruddy
    Según entendemos ya estás cerca de tu casa y que tu paso por esos paises andinos te han movido mucho en lo interior. Te felicitamos por ese coraje y por haber cumplido esa gran meta que te propusiste y fuiste logrando poco a poco. Nosotros estamos al igual muy cerca de cumplir nuestra primera gran meta, estamos a 10 días de llegar a Ushuaia (Argentina) para luego emprender nuestro viaje siempre en bicicleta pero hacia el norte, buscando caminos sobre el Atlántico que nos lleven hasta Costa Rica. Ya pasaremos por tu país y esperamos que cuando estemos cerca de Curitiva podamos darnos de nuevo un abrazo de complicidad y fuerza de esos que llenan de energía al alma. Tambien esperamos nos enseñes a hacer pan integral!!! Saludos y un abrazo te mandamos Laura y Wagner SURAMERICAENCLETA

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  6. Rudi monstro !
    Alisson/Brasil , El Chaitém ...
    Como tá meu irmão ?!
    Pergunta boba minha ..tá em plena evolução espiritual..isso sim .
    Nossas paralelas ainda vão se cruzar , pode crer..afinal somos mesmo viajantes nessa vida . O plano é fazer o restante da América agora na virada 2010/2011..quem sabe.
    Sabes que é exemplo e inspiração pra um montão de pessoas já..seja pra vc também..continue crescendo..vivendo e não apenas sobrevivendo como muitos de nós aqui sentados em frente ao computador.
    Que mais dizer senão...aquele abraço e fica com Deus!
    falovaleu

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  7. PUTA QUE PARIU!!!! viagem alucinante....estoria demais.....parabéns e força no pedal!!!!

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  8. bacana parceiro!!!


    muito legal tudo, eu sempre falo aos meu amigos, sai, va, anda!!!assim vcs veram que há muita coisa a ser por esta nuestra america latina, como diz a musica vamos desde Recife a la Quiaca y del Magalanes al Rio Grande...ya dei umas voltas a nossa america...e se Deus me iluminar agora en julho/2011 vou com a minha familia de 4X4 ate Machu Pichu via Acre e voltando pelos alagados do Chaco Paraguaio

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  9. Prezado Ruddy, um pequeno poema inspirado na travessia:

    Transoceânica

    Pela Transoceânica
    Atravessar a floresta
    A planície amazônica
    Até o Pacífico

    Pela transoceânica
    É tudo o que resta
    Da viagem homérica
    A caminho de Ítaca

    Essa vai ser nossa grande aventura
    Vamos à pé, de bicicleta
    Não precisamos de tanta estrutura
    Pra viver uma vida justa

    Pra sentir o vento no rosto
    Fome, sede, passar frio
    Lembrar que estamos vivos
    Basta viver o risco e aceitar o desafio

    Pela Transoceânica
    Atravessar a floresta
    A planície amazônica
    Até o Pacífico

    Pela transoceânica
    É tudo o que resta
    Da viagem homérica
    A caminho de Ítaca

    Pra ultrapassar o futuro
    Vamos de carona, de motocicleta
    Do Titicaca a Macchu Pichu
    Onde os Incas faziam festa

    A aduana não cobra impostos
    Para atravessar o rio
    Vamos subir os Andes pelas encostas
    Cruzar o Madre de Dios

    Pela Transoceânica
    Atravessar a floresta
    A planície amazônica
    Até o Pacífico

    Pela transoceânica
    É tudo o que resta
    Da viagem homérica
    A caminho de Ítaca

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