Escalada por El Calafate e O Glaciar Perito Moreno



Vivemos em um tempo da sociedade moderna onde os valores estão cada vez mais destorcidos e mascarados por riquezas que não nos levam a nada. As pessoas não cultivam mais e até esqueceram as maiores riquezas da vida. Esqueceram a natureza, que fornece tudo que necessitam, esqueceram a amizade, que gera harmonia e esqueceram a família, que traz a união e paz.

Quando se precisa e que vemos quem são os verdadeiros amigos, devemos guardá-los no lado esquerdo do peito - aprendendo com a intuição, com um simples “olhar” e compartilhando o que temos e os momentos vividos. Com este espírito fui recebido carinhosamente em El Calafate por Cardobês e pelos amigos Cuencas: Nico, Ramiro, Dani e Andy como um irmão de longa data que retorna ao lar.

Depois de um longo tempo vivendo quase como “selvagem” pelos caminhos dos Andes, estava novamente abrigado das intempéries em uma casa e com o conforto dos amigos. Uma ducha quente, uma cama, cozinhando em um fogão, sentado em uma cadeira... Muitas histórias vividas, risadas e conversas entre umas cervejas e outras.

Estava na bela e singular El Calafate. Cidade perdida em meio do desolado pampa da patagônia argentina banhada pelo azul turquesa do imenso lago e guardada por cerros, como o Calafate. A cidade que hoje têm 30.000 habitantes - há 30 anos era uma vila com suas mais de 20 casas. Habitavam o local umas poucas famílias de gaúchos em suas estâncias e compartilhava o lugar com os índios que viviam ali em covas de pedras há séculos. Ainda hoje é possível encontrar registros em desenhos em covas existentes na região. Estes índios foram induzidos ao “processo de civilização” depois de centenas de anos vivendo em harmonia com a natureza.

A primeira missão na cidade foi encontrar companhia para desfrutar das escaladas já que meus amigos Cuencas vinham trabalhando como loucos guiando turistas pelo glaciar Perito Moreno. Este glaciar de impressionante magnitude e beleza é a terceira maior massa de gelo do planeta. O campo de gelo sul, tornou Calafate na cidade que é hoje. O turismo sacou e vem sacando a oportunidade e tirando os valores das pessoas, que não mais tratam o próximo como um ser humano e, sim uma oportunidade e fonte para ganhos. Cada um por si, uma torre de babel. A ajuda ao próximo ou um simples saudar são gestos há tempos esquecidos.

Vindo de lugares onde o tratamento, a amizade, o companheirismos ainda são importantes, minhas energias espirituais foram pouco a pouco consumidas. Nada que dois dias de bolders en La Chala, aos pés do árido cerro Calafate, não fossem capazes de trazer de volta. Depois de provar alguns duros problemas, a companhia dos amigos, as noites de cerveja, pizzas, massas, tortas após seus expedientes complementava a que faltava.

Então veio a folga de Nico, estava motivado como uma criança e junto com Marcos e Carlos fomos às paredes do cerro Comissión. Escalamos talvez as vias mais lindas do local: rochas arenítica exuberante, diedros que exigem cuidados para se movimentar e que não te permitem sair do piso, fissuras perfeitas para colocar ferros e obrigam atenção redobrada no posicionamento em suas placas. Dia perfeito para escalada mesmo com o forte vento e frio. Nestas condições, cabeça e corpo entram em sintonia com a alma fazendo-o sentir o prazer de escalar.

De volta à cidade, a vontade de voltar a escalar era ainda maior. Quando encontrei parceiro não pude voltar ao cerro Comissión, em razão do preço de transporte estava abusivo - é difícil acreditar que você realmente está na América do Sul. Mesmo assim, segui na busca de novos parceiros, porém sem sucesso. Em compensação encontrei a boa onda de Jaime e da Cueva, ponto de encontro e parada de escaladores que vem realizar empreitada nesta região.

Então voltei ao próximo objetivo de estar aqui, ou seja, ver de perto e sentir toda magnitude do impressionante glaciar Perito Moreno. Bem que os amigos Cuencas tentaram de todas as formas conseguirem um meio para eu conhecer esta expressão da natureza. Infelizmente a máquina de sacar dinheiro não permitiu fazer nada. Então agi por conta própria e depois de um dia lutando por 80 km contra o forte vento através da costa do lindo e verde lago Argentino, estava diante dos morros. Agora, a nova missão era convencer a portaria do parque, serviço administrado por concessionário, a me deixar ingressar sem pagar a abusiva taxa de $80,00, ou ao menos pagar $ 70,00 como residente.

Os funcionários da concessionária que cuidam da portaria não deram a menor atenção às condições da viagem que eu realizava, muito menos pelo dia ventoso que enfrentei. Por eles daria meia volta e retornaria. Claro que contra isso eu usaria de métodos não convencionais. Não é possível ou concebível que um glaciar de milhões de anos e declarado como patrimônio da humanidade, seja restrito a elite. Por sorte existem guarda-parques com clara noção de conservação e em poucos minutos resolveram o problema – concederam-me um passe de isenção, inquietando os desinformados e sacanas porteiros.

Enfim estava dentro do Parque Nacional de Los Glaciares seguindo o canal dos Tempanos, um braço do lago Argentino metido na cordilheira. Foram mais 30 km de estrada de concreto de impressioar qualquer um, uma estrutura invejável até diante das melhores rodovias federais. Embora minhas queixas, por outro lado se tornaram entendíveis as abusivas taxas de ingresso. No caminho, encontrei Luis, um simpático ciclista argentino que está percorrendo todos os Parques Nacionais Argentinos http://www.cicloviajes.com/patago4.html.

Antes de dar de frente com o glaciar e cansado de um longo dia de atividade me meti ilegalmente na floresta à beira de um lindo rio. Sorte que estava com o fogareiro emprestado pelo Nico que me salvou a vida e pude cozinhar uma rica comida.

Então veio a luz do dia, e agora meu objetivo era subir os 1500 m de altitude do cerro Buenos Aires. Desvendando o melhor caminho em meio aos espinhentos calafates e todo furado alcancei o arenoso e nevado Filo Cumbrero. Deste local tem-se uma espetacular e única vista das nevadas montanhas da região e do majestoso glaciar Perito Moreno. Mais alguns minutos alcancei o pontiagudo, exposto e pouco ascendido cume e com o frio congelante me custou começar a descida. Depois de algumas horas desvendei um caminho que me levou de frente ao glaciar. Neste local tem um sistema de passarelas de primeiro mundo e te coloca de frente com os mais diversos ângulos desta grande expressão da natureza.

No seguinte dia fui convidado pelos amigos Cuenca a fazer uma caminhada de 7 horas sobre o glaciar - para quem paga custa em torno de $ 700,00. Esta caminhada deixa as pessoas que vivem na cidade muito impressionada. Um mundo desconhecido com lagunas de um azul impressionante e sumidouros sem fim.

Estive com um grupo de turistas que logo souberam da jornada que estava realizando, inclusive estava no grupo um brasileiro chamado Max. Cruzamos o canal de volta dentro do potente barco, tomando todo wiski e comendo todos os alfajores que podíamos. Em terra estava montado na bicicleta de novo. Feliz com o lindo dia e energizado pela amizade, somado com o alcool, refiz o caminho de 80 km em pouco mais de 2 horas. Impressionante como a boa onda gera motivação.

Depois de um dia de descanso e uma noite de festa, senti que era hora de partir. À luz do entardecer, seguida pela luz da lua, com a energia carregada e na mente as mais impressionantes demonstrações da natureza. Como se estivesse em transe, quando percebi já tinha passado da meia noite e percorrido mais de 100 km sobre a bici. Realmente é impressionante o poder que a Terra e a natureza em harmonia exercem sobre nós.

Sul do continente americano – De Punta Arenas através das Torres Del Paine até El Calafate



Fui recebido no porto de Punta Arenas por Andrés como se fosse amigo de longa data. Depois de um “city tour” pela bela cidade, uma visita ao mirante e ver a Terra do Fogo perder suas fortes cores laranjadas pelo dia que se findava e que deu para entender um pouco do porque do seu nome, fomos à sua casa, brindamos uma rica cerveja e um jantar.

Na bicicletaria de Cláudio fui recebido muito bem e não precisei fazer nada. Trocou quase todos os raios num trabalho muito profissional, uma ajuda para a minha viajem. Como o vento soprava em torno dos 100 km/h, aproveitei o convite de Andres para descansar mais um dia em sua casa. Mas o conforto logo acabou e fui dar a cara ao vento, que em alguns momentos me impediu de avançar - às vezes passando horas pedalando a 3 a 4 km/h. Empurrar era impossível. O vento seguiu impiedoso por dias através do desolado pampa, como que me colocando à prova: Estava realmente disposto enfrentar tudo isso? Quando reagia com bravura e sangue nos olhos, era tirado ao chão. Passei a buscar um meio termo entre desmotivação e excesso de forca de vontade. Com muita paciência alcancei Porto Natales. Passei de largo, depois de sentir a indiferença e contaminação das pessoas, onde o turismo acabou com verdadeira essência da convivëncia e passam a se preocupar mais com o dinheiro a um simples saudar ou, um sorriso no rosto.

Se o vento já estava forte durante estes dias, não sabia o que estava por vir nesta tarde - um vendaval que facilmente superavam os 100 km/h com rajadas que impossibilitavam manter-se em pé. Depois de vencer 12 km em 3 horas, parei ao escurecer em uma Estância para tentar me abrigar. Fui recebido com amabilidade pela família do Oliver e prontamente me serviram uma seqüência de saborosas comidas à beira da calefação. Até eles que vivem nesta zona de ventos estavam assustados com sua fúria neste dia. Custou-me ir-me embora, mas a vontade de chegar as Torres Del Paine superou qualquer necessidade de descanso.

Diante da impossibilidade de progredir com os ventos furiosos e somados as tormentas, tive que me abrigar num belo bosque encontrado a beira do lago Porteño. Neste ótimo lugar aproveitei para descansar e concentrar energias. Mais uma vez voltei ao modo antigo, cozinhando com fogo quando o clima ou o lugar permitia. Para completar, depois de todos os problemas possíveis meu fogareiro não funcionou mais.

Depois de um dia parado necessitava entrar em ação novamente e assim o fiz, mesmo com chuva, vento e o grande frio. A idéia era entrar à noite no Parque Nacional das Torres Del Paine. Tentei esperar o pessoal da portaria sair, para me livrar de pagar a taxa abusiva de $ 15,00 (R$ 75,00). Não suportando o frio e depois de estar parado por muito tempo, fui assim mesmo com todas as desculpas na cabeça. Mas no estado em que cheguei, completamente ensopado, tremendo de frio e lutando com um vento alucinado, qualquer ser com o mínimo de coração me deixaria passar.

Custei ainda para chegar ao primeiro lugar onde poderia me abrigar, e às nove da noite, doído de tanta câimbra de frio, alcancei um bosque em meio ao inóspito pampa, onde os carabineiros me ofereceram um chá quente e me permitiram acampar irregularmente por ali, sem poder fazer fogo. Depois de comer qualquer coisa passei à noite segurando a barraca para não voar com o vento e chuva.

A chuva deu sua trégua. Com roupas molhadas, frio e vento pude avançar contornando lagos, montanhas, em meio a animais selvagens e flora adaptada ao vento e uma paisagem deslumbrante. Quando a natureza nos coloca no nosso lugar se pode sentir com intensidade toda a nossa pequenez - uma forma de viver, impossível de descrever. Depois de muitas caminhadas e muitas horas de contemplação a um dos maiores espetáculos da Terra e admirar as monstruosas torres de granito, era hora de agradecer por todo este privilégio e ter sentido tudo isso na sua essência e partir. Infelizmente a rigorosidade chilena dificulta qualquer tentativa de ascensão a estas grandes paredes. Um dia ainda voltarei.

Entre tanta "mala" onda onde o turismo retira o valor interno das pessoas encontrei bons corações neste trecho do caminho - seja para me abrigar abaixo de um teto, cozinhar num fogão, ou compartilhar uma simples conversa.

Não pude cruzar o inabilitado passo Zamora para ir a El Calafate, na Argentina, que estava a menos de 100 km. Tive que dar uma volta de mais de 300 km numa luta árdua com o vento, muitas vezes sendo impossível se manter em pé e muito menos manter a bici. Foi aí que recebi um presente dos céus por tanto sacrifício, que num belo dia o vento me empurrou, em alguns momentos a mais de 50 km/h percorrendo 170 km em 7 horas por inóspitos desertos.

Com a felicidade estampada no rosto me dirigi a El Calafate e a casa do amigo Jorge Cordobês, onde enfim poderia descansar o corpo e a alma. Depois de 100 km a toda potência cheguei, não sem antes parar por quase hora, para apreciar emocionado a primeira vista do que para mim é a maior montanha do mundo - o grande Fitz Roy.

Entre escaladas no começo do mundo à travessia da áspera Tierra Del Fuego



Depois de muitos dias, mesmo quando se conta com meios modernos de locomoção, estava em Ushuaia, diante do incrível canal de Beagle, além do extremo sul do continente americano. Fui recebido com muita chuva, frio e vento, característicos desta região, que se não fosse pela sapiência humana a tornaria impossível a sobrevivência humana.

Mas logo tive o privilégio de receber as ótimas vindas - o sol apareceu e demonstrou a grandiosidade deste lugar, formado e deformado há milênios por força internas da terra e pelos glaciares que cobriam tudo. Logo conheci os escaladores Pepe e Lucho e de imediato fui convidado ao aconchego da casa de sua querida família para comer pizzas, tomar cervejas e abandonando o gelado bosque que foi a minha primeira morada. Sebastián logo se juntou a nós e no outro dia já estávamos escalando no vale de La Tatta na presença do grande monte Oliva, lindas vias desplomadas em basalto muito bem encontradas pelos aberturistas em meio à grande quantidade de rochas podres.

No outro dia nos dirigíamos ao Parque Nacional de La Tierra Del Fuego, restrito a elite, onde foi necessário utilizar de técnicas a “La brasileira” para driblar as abusivas taxas de entrada de um patrimônio da humanidade que deveria ser acessível a todos os amantes da natureza,. Logo estávamos em Ensenada e de aí a preciosa Bahia Cucharita, depois de certo dificuldade para cruzar com as bicis a acidentada escarpa que dá acesso. Aí me deparei com a forca de vontade de Pepe, um jovem forte e motivado de apenas 17 anos.

Logo estávamos instalados aos pés das paredes magmáticas, bebendo água de brejo e nos cagando de rir. Os ventos uivantes, os chuviscos e duro frio não nos impediram de escalar dois dias a pleno, vias esportivas realmente belas de até 6c+ (grau máximo no setor), algumas com seqüência de quatro pequenos tetos e muito exigentes aos bracitos desacostumados.

Logo estávamos de volta ao calor da casa desfrutando de um belo assado de cordeiro preparado por Negro, pai de Pepe. Era hora de partir e depois de um belo carregamento de mantimentos, aproveitando a zona livre de muitos impostos, estava serpenteando entre às imponentes montanhas. Não deixei de aproveitar a escalada existente no caminho: a incrível pedra barco setor de bolders incríveis. À noite Pepe e Seba se juntaram a mim e passamos parte do dia seguinte provando variadas linhas, algumas encantadoras, que desta vez não permitiram a ascensão, mas que valeram por deixar a beleza e a pureza da escalada gravadas na mente e nas juntas.

Depois de um abraço de despedida nos separamos, eu ao norte e eles ao sul de volta a Ushuaia. O belo sol repentinamente deu espaço a uma incomoda e fria chuva. Logo venci a longa encosta e o passo Garibaldi, não sem antes parar a ser saudado por Kayo (www.kayenaventura.com). Além do passo se descortinou o imenso lago Fagnano. Segui ate seu fim para relaxar a beira da laguna Del Índio.

O vento, enfim e infelizmente, deu sua cara tornando a pedalada dura e o avanço lento, em alguns momentos a menos de cinco km/h, mas com a recompensa de estar diante do encantador oceano atlântico e sua desértica costa. Quando se iam às forcas começou uma luta infernal com o corpo - uma enorme estância chamada Viamonte apareceu no horizonte, lugar para conseguir água e preparar uma comida recompostora. Prontamente fui recebido por Tomas, um dos encarregados, que depois de colocar no lixo um cachorro do mato morto por uma pedrada me levou ao refeitório onde fui amavelmente recebido pelo cozinheiro Antônio e pelos autênticos gaúchos que jantavam um bom guiso.

A aparência e vestimentas demonstravam a fidelidade à tradição, bombachas, botas, coletes de lã, lenços no pescoço, boinas na cabeça. Com humildade e com a aparência desgastada de um largo dia, logo conquistei respeito até dos olhos analistas e do olhar profundo de um dos capatazes. Melhor ainda do imaginado, logo me mostraram uma enorme casa onde eu poderia passar à noite, onde havia lenha para aquecer, água quente para tomar uma ducha - uma das primeiras do último mês, que não em gélidos lagos. Aí fui e encontrei um espaço abaixo da torneira, em meio a porcos e cordeiros recém mortos e sangue por todos os lados. Mas foi um delicioso banho de torneira ao som da agonia de porcos sendo mortos.

Depois de uma noite calorosa à beira do fogão, acordei com as primeiras luzes do dia e logo estava na estrada avançando ao norte pela Ruta 3. Enfim saí do pavimento dobrando na desconhecida Ruta b, em direção ao passo de fronteira Bellavista. Um, dos três carros que passaram por mim durante o dia, me disseram que hoje era meu dia de sorte e que, era para aproveitar o ameno vento que sempre é de romper a cabeça por aqui. Enormes Condores me acompanhavam de perto pelo desolado caminho através do pampa. Logo se descortinou no horizonte a beleza dos nevados da cordilheira Darwin como do grande monte Sarmiento.

Alcancei depois de um largo e duro dia chegar à aduana, onde a Gendarmeria (polícia federal argentina) só faltou me receber com festa, pois era um dos primeiros a passar por aqui nos últimos dias. Falou-me que me carimbava o passaporte de saída da Argentina se eu pudesse cruzar o rio com quase 1 metro de profundidade e limite com Chile. Disse que voltar não iria e assim me timbrou, se despedindo como alguém que não vê gente há muito tempo. No Chile, no pampa Guanaco, Camelídeos vivem em grandes manadas. Fui recebido com a mesma cordialidade - café quente e pão com ovos.

Onde o insólito pampa dava lugar a floresta surgiu Russfin, um pequeno povoado com meia dúzias de casas, a metade em ruínas à beira de uma serraria com aparência próxima extinção. Vi um senhor sentado, aproveitando o pouco calor do sol, aparentemente raro por aqui. Fui-lhe pedir água para cozinhar à noite e custou a entender de onde eu vinha. Com somente um olho, o outro provavelmente afetado por seu duro trabalho, se levantou e sem dizer uma palavra meteu o bidom num grande barril, com quase mais moscas que água, e o encheu. Muito agradecido segui, e os poucos bosques que encontrei para me abrigar do forte vento e da chuva que se armava, estavam cercados, assim como as raras casas sempre abandonadas.

Abaixo de chuva alcancei a Bahia Inútil e Camerón, que como cidade só existe no mapa. Segui passando por algumas estâncias abandonadas e lutando com a aspereza do clima, correndo contra o tempo para alcançar tomar o último barco que sairia em dois dias do povoado de Porvenir. Enfim, a muito custo e madrugando, com meia dúzia de raios da roda traseira rompidos, cheguei 3 horas antes de zarpar. Aproveitei o pouco tempo e aceitei o convite de um beudinho, Sr. Luis Mario, para comer uma carne gelada em sua humilde casa. Emocionando ao final, além do vinho, por ter alguém para fazer companhia por um momento sequer.

Cheguei ao porto alguns minutos antes do barco partir, realizado e me sentindo mais vivo do que nunca. Diante das grandes provações que me dispus a enfrentar perante a natureza bruta desta região, recompensado pelos mais belos e simples presentes da vida, desde um abraço de um amigo ate a beleza desta paisagem encantadora. Depois de terminada a travessia da ilha da Terra do Fogo, entramos no segundo ano sobre a bicicleta e mais de 11.000 Km percorridos, sentindo cada vez mais forte esta energia inexplicável e arrepiante.

Ainda tive o privilégio de conhecer na travessia dois motoqueiros de Buenos Aires e também Fernando, que está assumindo com muito profissionalismo a pesqueira de seu pai, em Porvenir. Este, em poucos minutos, me conseguiu um lugar para descansar em Punta Arenas e onde consertar a roda da Negrita.

Tardamos quase 3 horas para cruzar o passo largo do estreito de Magalhães, enfrentando vento forte e um agitado mar de azul profundo com suas grandes ondas - imaginando como foi cruzar este longo estreito sem passar pelos mares mais bravios do mundo pelos primeiros que se meteram aqui com seus rústicos barcos. Isto numa época quando tudo isso aqui era mais selvagem, onde haviam somente índios que, “sabe-se lá” como chegaram aqui para habitar com muito custo estas terras. Assim a ilha da Terra do Fogo (ou do vento) ficou para trás, deixando uma rica experiência e aprendizado que para sempre estará gravada na mente.

A caminho do mundo austral



Muitas vezes nos perguntamos quais as razões que nos levam ao desconhecido limite de nossas capacidades físicas e psicológicas. Na maioria parecem incompreensíveis, mas se nos adentrarmos a nossa essência interior começamos a perceber que os motivos, que nos faz cada vez mais estar nesta busca árdua, vão alem da nossa intuição ou do destino de nossas vidas e, nos coloca diante dos mistérios e da beleza da vida, que faz o sangue correr, os pelos se arrepiarem, as lagrimas caírem e o coração bater forte, nos fazendo sentir mais vivos do que nunca.

Foi assim que decidi me lançar no prosseguimento desta grande e árdua empreitada através das terras mais selvagens e impressionantes da America do sul, percorrendo solitário e de bicicleta os mais remotos caminhos possíveis de toda a extensão da cordilheira dos Andes, escalando a maioria das paredes rochosas e montanhas desta monstruosa cadeia - sem nenhum apoio logístico, o mínimo recurso econômico e carregando todos os equipamentos e viveres necessários, que muitas vezes chegam a pesar mais de 80 kg.

Com o apoio da família, de amigos, uma ajuda de custo e de equipamentos da equipe do Território mountain shop, novos e exclusivos alforjes e mochila do Alto Estilo e Alpamayo confeccionados nas horas de folga por Chiquinho e Chica, de novas peças e um afiado trato na Negrita madrugada adentro por Ivo Siebert e o pessoal da Pedale bikes, não havia mais retorno. Depois de algumas semanas de intensa correria, estava embarcando rumo a Patagônia e a America austral.

Em 3 dias, depois de cruzar o sul do Brasil e o pampa Argentina, estava pisando em Bariloche para encontrar com os amigos e irmãos de alma, Turco e Flori, e juntos irmos desfrutar as mais belas e incríveis escaladas nas Agulhas e figuras perfeitas do Cerro Cathedral. No Hormigueiro fui prontamente recebido com amabilidade por Mattias, Laura, Hormiga, sua irmã, Chiro e Seba. La estava novamente de volta ao aconchego dos bosques aos pés das laranjadas Agulhas graníticas em companhia dos amigos, aos quais, como sempre ai, se juntaram a paz de Roger, Guga e Leticia, e posteriormente Dani, Edu e Luana.

Com Turco e Flori de imediato fomos ao sonho da via, a qual com Tomy e Flora estivemos na temporada passada, e ao objetivo Luna na Agulha Cohete Lunar - via de beleza e qualidade indescritível: com contornos de pequenos tetos, dufflers aéreos, placas verticais e com refletes moldados pelo tempo. Seguindo fomos a agulha M2 e Abuelo onde nos encontramos com Hormiga e Chiro que recém abortavam a missão de instalar uma extensa “Highline” entre as Agulhas, devido a condições de vento.

Turco e Flori se foram em busca de seus objetivos - alcançar em bici Cochamo. Fiquei ali com os brasileiros e dias de tormenta se seguiram e deram espaço ao pacífico sonido da neve caindo, acumulando em grande quantidade no acampamento. Dias metidos na choca, de “engorda” ao alto estilo e recheada de ricas iguarias acompanhadas de toros e mariposas, para os quais não faltou disposição para os bate-volta na cidade.

Enfim o sol deu as caras e como alucinados estávamos de volta às paredes, sem tomar muito conhecimento dos ventos e o frio patagônicos. Escalamos algumas das melhores vias das Agulhas durante os bons dias que se seguiram: como Apriendendo a Volar, On March Sur La Lune, Bananarama, e reinstalados na cova do Oasis campanille, também logramos as incríveis Descanse em Paz, Fonrouge Bertoncelj, Califa Fossil e Imaginate.

Com a cabeça feita, espírito realizado e depois de sentir a paz da montanha e toda sua inspiração, estava na hora de ir adiante. Motivacao estas montanhas propiciaram de sobra.

De volta a Bariloche e no Hormigueiro para compartilhar as amizades, agora tambem com a presença de Alejandro e Maria, entre um assado e outro, tambem pude presenciar o erigir da casa inteligente que estão construindo e, me chamou a atenção a isolação de suas paredes a base de fardos de aveia. Tambem pude ajudar um pouco na construção de forno de barro custo zero. Aproveitando minha presença na cidade, tambem fui saudar os grandes e queridos amigos Jordi, Mariana e o prestes a vir ao mundo, Gerônimo.

A pesar do apego com todos estes lindos corações humanos estava na hora, a muito custo, de buscar o foco e concentração para botar os pés e as rodas nos caminhos da verdadeira vida. Quando vi, estava embarcando ao reinicio físico desta grande empreitada, a ilha da Terra do Fogo e Ushuaia.

De volta as terras patagônicas a ao mundo austral

Pessoas queridas que acompanham o blog!

A ciclo escalada já atinge cerca dos 11.000 km pedalados e recem cheguei a El Calafate. A zona percorrida deste Ushuaia é de uma paisagem estonteante, mais ainda selvagem e áspera para este tipo de viagem, principalmente com relaçao a instabilidade climática.

Infelizmente pelo ritmo que vem sendo tocada a empreitada e as passadas de largo nas cidades, e por esta zona ser extremamente turística onde os custos sao abusivos, nao tive acesso a computadores pelo elevado custo, o que pelo momento impossibilita a atualizaçao do blog.

Queria agradecer a todos que acompanham e que assim que possível estarei subindo novas fotos e postagens de tudo que se passou até aqui.

Um forte abraço a todos e nunca se deixem de lavantar quando os barreiras impostas para se alcançar os objetivo de suas vidas le derrubarem.