Viajar de bicicleta por si só já é uma experiência rica e reveladora, envolvendo corpo, mente, alma, espírito e coracao em busca de um objetivo único, o conhecimento. Desde o conhecimento da geografia física e humana dos lugares até do próprio ser que a realiza.Quando a uma viagem como esta se acrescenta uma dose de objetivos extras, como percorrer lugares remotos, com pouco recurso econômico e ainda escalar montanhas por rocha e gelo, esta experiência pode se tornar muito mais dura, porém muito mais profunda e valiosa.Foi isso que decidi fazer por um período de minha vida. Juntando os equipos, o mínimo para poder subsistir, muita disposicao e objetivo fixo, montei na bicicleta com destino a cordilheira dos andes, com a idéia de percorrer grande parte de sua extensao, do sul do Chile e Argentina ao norte do Peru, buscando os lugares mais remotos e incríveis possíveis e escalando nos principias sítios ao longo do percurso.Iniciando a jornada em companhia do Rodrigo Xarope, o primeiro grande desafio depois de sair da capital Buenos Aires, foi cruzar a pampa ou deserto argentino, onde os fatores físicos, como grande variaçao climática, vendavais constantes e ausência de água, dificultam a sobrevivência de qualquer ser. Sobre as intermináveis retas nos custou muito vencer os ventos contrários, que algumas vezes deviam chegar a mais de 70 km/h. O calor que nos fazia suar frio e custou-nos beber a agua salobra quando havia. Aprendemos muito sobre a regiao, sua geologia, vegetacao e como quem aí está faz para sobreviver.



Para fugir dos fortes ventos acabamos nos dirigindo para noroeste, ao inverso do planejado, acelerando nosso encontro com a desejada cordilheira dos andes e a Patagonia argentina. Assim trocamos as paisagens desérticas insólidas pelo relevo montanhoso que foi ganhando cada vez mais vida.



Entramos na regiao das araucarias, onde seus lindos bosques mesclados a campos de colihues e arenales, formam uma linda paisagem. Depois de boas pendentes para cruzar o passo PinoHachado, entramos no Chile pela primeira vez, baixando a toda a cordilheira para oeste. Tornamos a subila e a cruzala no outro dia, voltando para Argentina atraves do passo Icalma e entrando na preciosa regiao de los lagos, regiao composta de um complexo lagunar impressionante, com mais de sete lagos rodeados de altas montanhas e bosques de enormes Coihues, protegidos pelos Parques Nacionais Lanin e Nahuel Huapi.



Enfim chegamos a bela capital dos esportes de aventura, Bariloche, para iniciar nossas empreitadas pelas montanhas e matar nossa gana de escalar, além de nos encontrarmos com nossos grandes amigos brasileiros, Tomy, Flora, Chiquinho e Raquel, com quem previamente combinamos. Acabamos por juntos nos ir a escalar em Cochamó no Chile, onde desfrutamos ao meu ver, do mais incrível e completo ambiente para escaladas da América do sul, com rica natureza, perfeitas vias e com a especial recepçao dos amigos locais Dani, Silvina e Zen. Nos poucos dias em que estivémos lá e que o clima nos permitiu, escalamos cerca de 10 vias, entre tradicionais e esportivas, de até 500 metros e 5.12d.



Por ordem do destino, meu parceiro retornou para o Brasil, e nós retornamos ao ponto de encontro, Bariloche. Junto com Tomy e Flora partimos para outro preciso setor, subindo as montanhas onde se encontram as agulhas Frey e realizando diversas e lindas escaladas. Eles retornaram ao Brasil e segui por mais alguns dias escalando com o amigo barilochense Cordobês.



Retornei a cidade e depois de um tempo em companhia dos queridos novos amigos barilochenses, segui com a atividade ciclistica. A partir deste momento segui a viagem em solitário e com maior rusticidade, dispondo somente de um nylon para me proteger e lenha para cozinhar. Passei pelo cerro Tronador e cruzei o lindo Parque Nacional los Alerces.



Em pouco tempo estava cruzando a cordilheira e entrando novamente no Chile pelo passo Futalleufú, descendo o precioso rio de mesmo nome em direçao a carretera austral, onde prontamente fui recebido por seu drástico clima.



Buscando um pouco mais de comodidade segui em fuga da chuva para o norte, passando pelos destroços do que um dia foi a cidade de Chaitén, varrida pela erupçao de um vulcao. Muito me custou cruzar esta regiao, mas depois de um abençoado encontro com amigos brasileiros o problema se resolveu e estava novamente rumando para Cochamó.



Em pouco tempo estava novamente no precioso valle cochamó em busca de realizar me mais um pouco com as inacreditáveis escaladas. Com as intermináveis tempestadaes a temporada por aí se terminou, mas sendo possível aproveitar a última janela para acender ao cume do cerro Trinidad. Felizmente estava abrigado pelos amigos Dani, Silvina e Zanón no aconchegante refúgio, em companhia também de verdadeiros amigos. Junto com o companheiro Turco, ajudamos a seguir trabalhando em melhorias no refúgio cochamó, posibilitando também uma capitalizaçao economica para prosseguimento da expediçao.



Infelizmente chegou a hora de partir e me separar de maravillosa convivencia. Sempre costeando ou através da cordilheira, muitas vezes por duros caminhos, iniciei a percorrer a regiao dos lagos e vulcoes chilenos, passando inicialmente pelo Parque Nacional Vicente Perez Rosales.



Logo estava no acolhedor povoado de Llifén, novamente num setor de escalada. Na companhia dos amigos Nacho e Heidi, pudemos desfrutar de boas escaladas basálticas, escalando boas rutas desportivas e ainda abrindo nova ruta em tradicional num belo diedro.



A chuva chegou e a escalada terminou, e segui adiante para atravessar a remota Reserva Hilo Hilo. Impossibilitado de cruzar um rio tive que fazer um desvio, onde pela primeira vez vi meus dias se tornarem intermináveis. Depois de solucionado o problema, e enfrentar uma infinidade de subidas e descidas, através de florestas de Coiuhes e Araucárias, estava no glaciar aos pés do vulcao Villarrica, no Parque Nacional que recebe seu nome.

De aí baixei tudo novamente, para enfim chegar a cidade de Pucón e ao próximo setor de escaladas, Cerduo. Na companhia de novos amigos pude conhecer um pouco deste lugar e do seu grande potencial. Aproveitando minha estada, realizei a caminhada até o alto do vulcao Villarrica, de onde se tem uma espetacular a ampla vista desta terra de vulcoes, lagos e florestas, por onde havia passado e por onde haveria de passar, pura e interminável cordilheira dos andes.



Depois de atravessar centenas de quilometros da regiao de los lagos pelas mais retiradas rutas, cheguei ao Parque Nacional Conguillio. Pelo motivo da erupçao do vulcao Llaima, nao pude cruza lo, sendo forçado a seguir um caminho ainda mais isolado, que se mostrou maravilhoso e gelado, através da Reserva Nacional China Muerta e da Reserva Indígenda Quinquén. Cruzado seus bosques de araucárias e altiplanos de arenosos, estava na cidade de Lonquimay, de onde partia a próxima travessia.



Pensado ter finalizado as duras travessias, por caminhos que muitas vezes deixam de existir, ainda me restava o que se tornou mais uma grande provaçao, seguindo outro desolado caminho ao longo do rio Biobio. O microclima regional em combinacao com a forte frente fria, fez que as temperaturas caissem bem abaixo de zero, e os dias variassem entre chuva e neve, demonstrando o que o frio pode fazer com um lugar .



Seguindo para rio Maule e valle dos Condores…


Esta viagem contou com o apoio de Território e Alto Estilo.